AOS QUE ACREDITAM NA LUTA!!!
Elias, Elias Silva, Elias da Casa de Paulo Freire, ou simplesmente: Professor Elias…
Como Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa na obra O Grande Sertão Veredas, e sua afirmação de que “o real não está na saída nem na chegada, ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”, inicio minhas reflexões acerca da minha história de vida e afirmo, com orgulho, que ela é também parte da realidade de muitos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil.
Eu, hoje conhecido por alguns como Professor Elias devido o trabalho de alfabetização de adultos que realizo na Casa de Paulo Freire, nasci em Januária (MG), no ano de 1966, filho de um marceneiro e uma lavradora, sou o sexto de oito irmãos. A condição de filho de trabalhadores que vivem na roça, que lutam pela sobrevivência, não é algo fácil, pois dependíamos da agricultura de subsistência, ou seja, plantávamos para comer. Das minhas primeiras lembranças infantis, tenho a imagem de meu pai em longas jornadas de trabalho na marcenaria, cujo proprietário era um homem muito conhecido e influente na cidade por ser criador de gado. Já minha mãe trabalhava de “sol a sol” na roça com os meus irmãos mais velhos e depois comigo, que não diferentemente dos demais filhos, também comecei cedo na labuta rural.
Diante de tantas carências materiais, meu pai, sem saber, adotou uma prática comum no contexto de um Brasil sem direitos ao determinar que: “a filha mais velha cuidava dos irmãos mais novos, enquanto esses não completassem a idade de trabalhar na roça, ou seja, 5 anos. E nada de escola, a enxada era nosso lápis o chão nosso caderno!”. Desse modo, muito precocemente, tive a minha primeira experiência como trabalhador. Não foi nada agradável… a jornada de trabalho iniciava às 05h, com um percurso de 12 km realizado a pé até o local de trabalho de minha mãe e meus irmãos. Eu calçava sempre uma bota que deixava muitos calos. Embora meus pés estivessem machucados e a escuridão me assustasse (lembro que o trajeto era feito por uma estrada estreita) recordo também que identificava beleza naquela caminhada, uma vez que o céu nos presenteava com milhões de estrelas. Virava e mexia uma estrela cadente se deslocava em queda livre, era muito lindo o risco de fogo no céu!
Durante o deslocamento de casa para o trabalho, enquanto minha mãe andava em passos firmes com meus irmãos mais velhos, eu ia correndo, pois não conseguia acompanhar o ritmo dos passos deles. O trajeto era perigoso, ouviam-se muitas histórias de aparição de onças e as cobras eram de fato frequentes também, por isso, todo cuidado era pouco e optávamos por andar em grupos, os quais se juntavam com outros na estrada. Ao chegar ao destino já estávamos exaustos! Mas, mesmo assim, tínhamos que iniciar nosso trabalho às 08h e só dava tempo de tomar um copo de café puro com um punhado de farinha. Tínhamos 1h de almoço e voltávamos ao trabalho até às l8h, quando iniciávamos a caminhada de volta para casa.
O trabalho na lavoura era pesado e extenso. Todos tinham tarefas distintas a cumprir e eu, por ser criança e sem nenhuma habilidade para capinar, recebi a tarefa de ir cortando os matos maiores que encontrasse pela frente, pois os mesmos atrapalhavam o ritmo da capinagem realizada pelos adultos. O meu instrumento de trabalho era uma foice muito amolada, nem imaginava que estava em minhas mãos um dos símbolos da luta do proletariado. Posteriormente, fui presenteado com uma enxada para que eu pudesse, aos poucos, aprender a capinar e, assim, me transformar em mais um trabalhador rural de uma terra arrendada, na qual o pagamento era feito a partir da produção e de um acordo verbal onde o proprietário da terra entrava com os insumos, e nós, os trabalhadores, com a mão de obra, sendo que ele ficava com 90% da produção…
Outro fato marcante de minha infância ocorreu em 1971, quando o Vale do Jequitinhonha enfrentou uma das piores secas já vista naquela região. Naquele ano Januária e vários municípios da região vivenciaram a seca dos riachos, a morte da vegetação, bem como dos animais. Todavia, o mais grave foi a morte das pessoas pela fome que chegava assustando naquelas gerais e sem pedir licença, sem piedade, e sem nenhuma cerimônia espalhava o pânico naquela gente tão sofrida…. Nesse cenário, o trabalho na roça não era mais possível, sem chuva, sem água, sem condições de continuar com a plantação. As famílias não tinham trabalho e o sofrimento aumentava, meu pai entrou em desespero, e começou a beber, não aceitava aquela situação, foi a forma que encontrou para aliviar o sofrimento, a comida acabava, a cisterna secava, as doenças chegavam, e eu ali, com 6 anos de idade, sem entender nada e vendo aquele filme de terror passar.
Diante do rigor da seca e da dificuldade em encontrar trabalho, minha mãe se viu sozinha com os filhos e alguns sacos de feijão, milho, e farinha da colheita passada, os quais ela ainda dividia com os vizinhos. O arroz que consumíamos era adquirido na venda do Seu Anselmo – que ficava umas duas léguas de nossa casa (12 km). Mas, esses alimentos não duraram muito tempo e, o que era mais grave: já estávamos 6 meses sem chuva! Com a eminência da fome, minha mãe decidiu que o melhor era vender o que nos restou e recomeçar a vida em outro lugar. Infelizmente, nessas horas surgem os oportunistas de plantão que se aproveitam da situação de penúria das famílias e pagam uma merreca pelas propriedades. O dinheiro da venda da casa só deu para pagar as dívidas acumuladas e com o restante compramos as passagens. A minha mãe fez uma viagem inicial para Brasília-DF, pois o nosso pai tinha partido para a Nova Capital em busca de trabalho e ela precisava arrumar um outro lugar para morarmos: o novo dono da casa deu somente 30 dias para desocuparmos o local.
Durante a viagem de minha mãe, tivemos que realizar o revezamento de alimentos, ou seja, quando a quantia de comida não é suficiente para um período são adotadas as seguintes alternativas: inicialmente, a família come em dias alternados (um dia sim, outro não). Nos períodos críticos, os mais velhos priorizam a alimentação dos mais novos e, por isso, não se alimentam. Ali eu passei fome, e entendi a fome de meus semelhantes, foram dias de dor e sofrimento. Segundo o relato de meu irmão mais velho, meu estado de saúde, e de minha irmã mais nova, era muito grave. A nossa desnutrição estava em um nível muito avançado e minha mãe, ao retornar da viagem, precisou esperar a nossa recuperação. Ela ficou com medo de não suportarmos o trajeto. Essa recordação muito me abala e entristece por imaginar que, nesse exato momento, a fome atinge alguma família no Brasil ou no mundo.
A nossa partida para Brasília marca uma fase de descobertas. Eu, assim como meus irmãos, nunca tinha andado de ônibus e estávamos todos apreensivos com a viagem. No dia do embarque, meu coração batia forte de tanto nervosismo. Ao entrar naquele veículo, depois de ter sofrido na roça, vencido a fome e a morte, sem saber ler uma palavra, nunca imaginava que começaria ali, naquela partida, a reescrever a minha história. A viagem foi sofrida, eu ainda estava debilitado e as náuseas foram frequentes. O momento mais difícil foi a travessia do Rio São Francisco numa balsa, a sensação foi horrível, tive vertigem, era muito estranho! E a precariedade do transporte rodoviário usado por nós prolongou mais ainda a viagem… Mas, por tudo que já tínhamos passado, aquilo era só um detalhe.
Ao pisar no solo da Nova Capital começava uma nova história de luta, descarregamos o pouco que nos restou e ficamos aguardando a chegada do meu irmão que, em tese, estava empregado numa chácara. Chegamos em Vicente Pires ao amanhecer, era um dia frio, e fomos recebidos pelos moradores do local que nos indicaram a nossa moradia: uma casa coberta de palha que minha mãe conseguira mediante o contato com um corretor de imóveis, que ficou comovido com a situação dela e indicou a ela a propriedade de um conhecido seu. Entretanto, o proprietário, que residia em São Paulo, não tinha conhecimento da nossa presença e, após 20 dias de nossa chegada, nos retirou do lugar de forma violenta.
A ira do proprietário da chácara com a nossa presença foi decorrente da informação de que além da idosa e do filho, o local estava sendo ocupado por uma senhora cheia de filhos e que estavam destruindo as plantações. É incrível como existem pessoas maldosas! A minha mãe saía cedo com o meu irmão mais velho para tentar arrumar alguma coisa para comermos, e deixava a seguinte orientação para a minha irmã mais velha: não deixe os meninos saírem de dentro de casa, não permita que eles toquem em nada! Nós passávamos o dia todo dentro daquela casa coberta de palha, da janela eu via as frutas: manga, goiaba, maracujá, abacaxi… todos carregados, a vontade de comer era muito grande, a fome também era presente. Mas, tínhamos que nos acostumar com o pouco que minha mãe conseguia.
O momento exato da nossa partida não me sai da memória. Era uma manhã, por volta de 07 horas, escutamos os berros: Onde estão os demônios que estão destruindo a minha chácara? De que inferno vocês saíram? Minha mãe e meu irmão pediam calma para o homem enfurecido. Mas, ele parecia descontrolado. Enquanto isso, eu e minhas irmãs choravam dentro de casa, sem entender o que estava acontecendo. O homem ordenou a retirada das nossas coisas. Meu irmão nos orientou a sair, enquanto minha mãe pegava o pouco que possuíamos. Quando a casa foi desocupada, o homem jogou gasolina nas palhas e tocou fogo no local que por pouco tempo nos serviu de morada. E agora, José?! Ficamos de longe vendo a casa pegar fogo e sem ter para onde ir….. Minha mãe chorando e desesperada, só falava: Tenham fé em Deus! Sem nada no estômago, e sem direção, saímos andando.
Após nossa retirada da chácara, chegamos à ocupação da Rede de Furnas, no Guará I. No primeiro dia montamos uma tenda para passar a noite, o frio era insuportável. Pela manhã, fomos buscar madeiras nos entulhos para construir um barraco. Não encontramos madeiras. Mas, encontramos várias latas de tintas de 18 litros que foram abertas, e com varas de eucalipto, montamos a estrutura de um barraco com, aproximadamente, 16 metros quadrados. Fizemos um mutirão e logo o barraco ficou pronto, o chão era batido, só tinha a porta de entrada. Eu achava estranho, todos ocupavam o mesmo espaço, era muito diferente da nossa casa em Minas. Era um sufoco, durante o dia o sol esquentava e o calor era insuportável. Durante a noite era muito frio.
Nossa vida na ocupação também foi marcada por muito sofrimento, novamente enfrentamos a fome e mais uma vez perdemos nossa casa. Só que dessa vez para uma chuva muito forte, seguida de uma enxurrada. Porém, essa experiência nos permitiu conhecer a solidariedade de uma família que nos acolheu num momento de medo, fome e frio…. No instante da enxurrada que varreu nossa casa, minha mãe, assim como meu irmão mais velho, não estava presente e, por essa razão, desesperados corremos em direção ao Guará I. Lá fomos acolhidos por um casal que nos encontrou chorando e agarrados ao portão de sua residência. Eles cuidaram de mim e de minhas irmãs, procuraram minha mãe e meu irmão, além de terem alimentado e hospedado todos nós naquela noite.
Nosso retorno à ocupação, após a acolhida do casal do Guará I, foi novamente de reconstrução. Refizemos nosso barraco e jogamos entulhos na frente dele para desviar o curso da água da chuva. Recolhemos os poucos pertences que tínhamos, os quais foram levados pela chuva (colchão que antes havíamos conseguido no lixo e algumas de nossas roupas) e, juntamente com o pão e leite que recebíamos da senhora do Guará I, enfrentamos, por alguns meses, a vida a partir da solidariedade existente entre os que habitavam a mesma ocupação.
Mesmo com todo o esforço de minha mãe e de meu irmão para manter nossa família, a fome sempre nos rondava… e um dia, desobedecendo as ordens maternas, acompanhei uma senhora da comunidade que saiu para pedir comida. Eu demorei a arrumar coragem para fazer aquele pedido, achava humilhação demais. Todavia, lembrava da fome dos meus familiares. Parei em frente a uma casa, coloquei a vasilha presa entre as pernas e bati palmas. Minhas pernas tremeram, as mãos suaram, meu coração acelerou e o pior: meu estômago doía muito! A dona da casa apareceu e disse: “Pode falar, meu filho”. Mas, eu não falei e acabei desmaiando de fome. Novamente, encontrei alguém que ajudou a mim e minha família. Essa senhora, D. Maria, sensível a minha precariedade material, alimentou a mim, bem como a minha família naquele dia. Além da comida recebida, tivemos a possibilidade de um trabalho de diarista para minha mãe e de “jardineiro” para mim. Esse foi meu primeiro emprego na Nova Capital.
Para ajudar a minha mãe, aos 8 anos reafirmei minha história de criança trabalhadora que não frequentava escola e eu trabalhava muito: era “jardineiro”, uma vez por semana; de segunda a sexta, vendia terra preta e estrume; aos sábados e domingos, vigiava carros na Feira do Guará. Mesmo assim, para complementar nossa alimentação, recolhia frutas e verduras jogadas no lixo pelos feirantes. Aos 10 anos, vendia jornal, picolé, engraxava sapatos e empacotava compras nos supermercados. Posteriormente, passei a lavar carros, fazer pipas para vender, lavar pratos em bar e catar material reciclável.
Ainda que a fome tenha me ensinado a buscar, individualmente, soluções para os meus problemas, foi na luta pela moradia que descobri a força da ação coletiva. Essa experiência ocorreu, em 1978, diante da notícia de que o governo iria derrubar os barracos em que morávamos. Esse fato causou grandes temores na ocupação. É importante lembrar que vivíamos ainda na ditadura civil militar instaurada no país, em 1964. Diante da eminência da desocupação do local, nos reunimos no campinho de futebol, que ficou lotado! Fomos informados que os fiscais viriam com tratores, caminhões e muitos homens para realizarem a derrubada de nossas casas. A responsável pela organização da reunião nos orientou a resistir, começando pela não desocupação dos barracos. Esse momento representou a minha inserção, aos 12 anos, sem saber ler e escrever, nas lutas sociais e nos movimentos populares.
Até 1984, foram várias as tentativas governamentais para desocupar a área, mediante constantes derrubadas das moradias da ocupação. Porém, sempre que os fiscais saiam do local, a comunidade se organizava e levantava os barracos novamente. E, assim, vencemos pela resistência! E, por fim, os moradores das ocupações da Vila União e do Guarazinho foram transferidos para a QE 38 do Guará II, um dos últimos programas de moradia da antiga Sociedade de Habitação e Interesse Social (SHIS).
Já como morador da QE 38, tive minha primeira experiência escolar a partir do incentivo da D. Maria, a senhora que me permitiu ser seu jardineiro. Assim, já com 12 anos, após alguma resistência minha que temia reduzir meus recursos financeiros ao dividir o tempo entre a escola e o trabalho, fui matriculado em uma escola pública do Guará. Lá vivi algumas experiências de preconceito por ser morador de uma ocupação. Erámos, frequentemente, separados dos garotos do Guará e tínhamos nossas sacolas vistoriadas na entrada e na saída da escola. Não tínhamos lanche, nem dinheiro para comprar o que era vendido na cantina. Não possuíamos também material escolar ou uniforme e, nas mais variadas formas, não éramos inseridos na realidade escolar. Esses foram alguns fatores que me fizeram, por várias vezes, desistir da escola.
Com a interrupção de minha vida escolar, me dediquei novamente ao trabalho. Mas, o desejo de estudar persistiu e na frutaria em que eu trabalhava, contrariando o desejo do patrão, comecei a incentivar os colegas para voltarmos à escola. O patrão ao tomar conhecimento de minhas pretensões de voltar a estudar, e de estimular os demais funcionários a fazerem o mesmo, me demitiu. No entanto, outro comerciante do mesmo ramo me contratou, e como eu já era conhecido pela freguesia à qual eu fazia a entrega dos produtos, o antigo patrão percebeu que a freguesia me acompanhou e, por essa razão, decidiu me contratar novamente. Assim, diante da concorrência entre os comerciantes das frutarias, eu tive a oportunidade de colocar a minha exigência pelo direito de estudar.
A experiência acima, me fez descobrir que a força de uma pessoa está na forma como ela se relaciona com as outras. Daí para frente nunca mais parei de estudar e aos 16 anos ingressei pela segunda vez no universo escolar, ao me inscrever no Movimento Brasileiro para a Alfabetização (MOBRAL). Nesse momento, buscava melhorar minha leitura e a escrita, bem como aprender as quatro operações. Interpretar e refletir eu já fazia e talvez, por isso, estranhei as ordens do professor, um militar da reserva, que separava os alunos por nível de aprendizagem e ordenava que respondêssemos apenas: sim, senhor! Ou, então: não, senhor!
Logo cheguei ao supletivo e, em 1984, aos 18 anos já cursava a 4ª série, novamente, em uma instituição pública de ensino do Guará. Na escola ingressei no movimento estudantil, liderava passeatas, reivindicava ensino de qualidade, lutava por mais vagas para os adultos nas escolas e até elegemos um diretor.
Ainda em 1984, ingressei na União da Juventude Socialista (UJS), agremiação do PC do B. Nesse período, lutamos pela redemocratização do País e defendemos a emenda Dante de Oliveira, que propunha eleições diretas para Presidente. Até hoje o grito coletivo das “Diretas Já!” soa em meus ouvidos: 1, 2, 3, 4, 5 mil queremos escolher o Presidente do Brasil! Infelizmente, reivindicação tão atual na política brasileira… No ano seguinte, conheci minha companheira, Herlis Alves Cardoso Araujo, a minha Anita Garibaldi. Nossas histórias e ideais eram semelhantes e com ela, e seu apoio, continuei na militância dos movimentos sociais, populares, bem como na política. Tenho convicção que seu apoio foi fundamental em minha trajetória.
Em 1986, ingressei no Partido dos Trabalhadores. Na época, eu era comerciário, trabalhava como balconista em uma frutaria e peixaria, na QE 28 do Guará II. Depois trabalhei no extinto jornal impresso Última Hora de Brasília, posteriormente chamado de Correio do Brasil.
Ainda em l986, nasceu minha primogênita, Herline Alves Araujo. Nesse ano morávamos na Ceilândia, e estudávamos no CEF 44, no P. SUL. Nessa escola, atuei na mobilização dos estudantes do supletivo na luta por um ensino de melhor qualidade e participei da eleição de uma diretora com uma visão progressista em educação.
Em seguida, ingressei na União Metropolitana dos Estudantes Secundarista de Brasília (UMESB) e participei do Panelaço, organizado pelas donas de casa que protestaram contra os sucessivos planos econômicos fracassados do governo Sarney. O movimento começou de forma pacífica. Mas, como viviamos ainda o fantasma da ditadura, logo a polícia secreta do governo, Serviço Nacional de Informações (SNI), se infiltrou no meio do movimento e, usando de truculência com os participantes, desencadeou numa batalha entre manifestantes e policiais na rodoviária do Plano Piloto e gramado da Esplanada dos Ministérios (Ver documentário o Dia Que Não Acabou). Jogando do lado do governo, a imprensa liderada pela Rede Globo descaraterizou o movimento chamando de badernaço. Não tivemos resultados favoráveis com o panelaço. No entanto, uma coisa ficou evidenciada naquele movimento liderado pelas mulheres: a força dos movimentos populares e sociais da época!
Em 1989, participei da primeira eleição direta para presidente depois da Ditadura Civil Militar e defendi a candidatura de Lula. Participei dos comícios, panfletagens, carreatas e todas as ações em defesa de um novo projeto para o Brasil. Em seguida, ingressei no Movimento Sindical dos Rodoviários, trabalhava na extinta Empresa Viação Alto Paraíso, que fundira com a Real Expresso, em meados da década de 1990. Em 1992, reencontrei o movimento estudantil na campanha pelo impeachment do Presidente Fernando Collor. Nesse mesmo, ano nasceu meu filho, Heyner Alves Araújo.
Na década de 1990, vivenciei diversos movimentos políticos no Distrito Federal. Em 1994, participei da campanha que elegeu Cristovam Buarque governador pelo PT. Nesse mesmo período, fui eleito quatro vezes delegado do orçamento participativo, integrando a Comissão de Educação. Com a minha participação na referida comissão, conseguimos construir 14 escolas em São Sebastião, incluindo as unidades escolares do setor rural. Nessa época, eu concluía o 1º Grau (atual Ensino Fundamental) no CEF Cerâmica São Paulo, na mesma região administrativa em questão, sendo inclusive eleito presidente do Grêmio Estudantil. A minha participação no Movimento Estudantil foi encerrada, em 1998, com a conclusão do Ensino Médio, no Centrão de São Sebastião.
A partir da experiência com o movimento estudantil e sindical, eu e um grupo de amigos, comprometidos com as causas populares e sociais de São Sebastião e do Distrito Federal, fundamos, em 1996, a Casa de Paulo Freire. O espaço tem como objetivo o desenvolvimento de ações voltadas para nossa cidade, em outras palavras: uma incubadora de projetos alternativos para a comunidade, especialmente para a alfabetização de jovens, adultos e idosos.
Na continuidade da minha atuação com alfabetizador popular, em 2003, ingressei no Grupo de Trabalho Pró Alfabetização do DF e Entorno (GTPA), o qual objetivava constituir-se enquanto um espaço político organizado, em rede, com a sociedade civil, na luta pela erradicação do analfabetismo no Distrito Federal e Entorno. No ano seguinte aderi a três significativos movimentos populares da Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EJAI). O primeiro foi o Encontro Nacional de Educação de Jovens e Adultos (ENEJA). O segundo, o Encontro Regional de Educação de Jovens, Adultos e Idosos (EREJA) e, por último, o Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (MOVA).
O meu trabalho na Casa de Paulo Freire me tornou conhecido, em São Sebastião, como o Professor Elias, fato que muito me orgulha, visto que já alfabetizamos quase 4 mil educandos trabalhadores. A experiência pedagógica desenvolvida tornou a Casa de Paulo Freire objeto de pesquisa e campo de estágio para estudantes do DF (fomos responsáveis pela formação de 1.286 estagiários do curso de Pedagogia), com destaque para a Universidade de Brasília (UnB), a Universidade Católica de Brasília (UCB), o Instituto Superior Nossa Senhora de Fátima, instituição na qual realizei o curso de Pedagogia-Julho de 2006 à Dezembro de 2009, além de outras diversas instituições de ensino superior e Escolas de Ensino Médio.
A partir da Casa de Paulo Freire também encaminhamos para o mundo do trabalho, aproximadamente, 800 jovens que buscavam o primeiro emprego. Atualmente, além da alfabetização de adultos, trabalhamos também com crianças de 6 a 12 anos no projeto Educarte, o qual oferece oficinas de artesanato, desenho, pintura, literatura, contação de histórias, roda de música, brincadeiras tradicionais, dança e expressões corporais.
A participação nos fóruns de discussão das temáticas da EJA contribuiu para a minha formação enquanto alfabetizador popular e, desse modo, a Casa de Paulo Freire foi constituindo-se em uma referência na EJAI, em São Sebastião. O nosso trabalho de alfabetização foi divulgado em diversos veículos de comunicação, como por exemplo: o Correio Braziliense, a TV Senado, a TV Nacional, a Mix TV, a TV Justiça, o Jornal Nacional, entre outros.
Em 2006, a Casa de Paulo Freire foi classificada em segundo lugar no projeto de Responsabilidade Social do Brasil. No mesmo ano, a Jornalista Solange Calmon, e sua equipe da TV Senado, realizou uma reportagem para o Programa Inclusão, sobre a Casa de Paulo Freire, o que lhe garantiu importante premiação, 1º e 2º lugares, no 8° prêmio Embratel de Jornalismo.
Durante o período de 2011 a 2015 fui eleito, por duas vezes, conselheiro do Conselho de Assistência Social do Distrito Federal (CAS) e defendi juntamente aos meus companheiros do conselho, várias políticas públicas para as camadas populares do Distrito Federal. Como exemplos de conquistas desse período, podemos destacar: o aumento da renda percapita por usuário do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), o qual beneficiou as instituições conveniadas com o governo do Distrito Federal. Defendemos a construção do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), do Centro de Orientação Sócio Educativo (COSE), das Casas de Passagem e dos Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua para a população do DF (Centros POP).
Em 2015, retornei à Universidade (Uniceub), para me especializar em História, Sociedade e Cidadania. No ano seguinte, fundamos a Associação dos Pós-graduandos (APG) no Uniceub, a qual é conveniada com a Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG). A APG tornou-se uma ferramenta de luta dos estudantes da pós-graduação naquela instituição e organizou vários encontros na universidade denominados de “Diálogos da Cidadania”.
Por fim, o caminho é longo e as batalhas são muitas… porém, ao pensar sobre os tantos problemas, individuais e coletivos, existentes na atualidade e por acreditar na força da solidariedade e da coletividade que faço minhas as palavras de Raul Seixas: “Tenha fé em Deus, tenha fé na vida, tente outra vez”.