A mobilização dos povos e da classe trabalhadora no Brasil foi quase sempre marcada por questões políticas estruturais, principalmente para os homens e mulheres de classe socioeconômico inferior e/ou aqueles com poderes políticos diminuídos. A luta era e sempre será pela sobrevivência.
A ideia fixa criada pelas elites dominantes, desde a ocupação dos portugueses as terras brasileiras em 1500, de que as riquezas não seriam distribuídas em partes iguais para todos, quase sempre criava um mal-estar entre homens e mulheres que eram explorados pela Corte portuguesa e seus herdeiros, visto que esses produziam as riquezas da nação, mas ficavam fora da partilha. Nesse sentido, as revoltas eram frequentes, pois eclodiam da noite para o dia nas províncias menos estruturadas do Brasil colônia.
No pensamento de Paulo Freire (1978, p. 73)
Os chamados marginalizados, que são os oprimidos, jamais estiveram fora de… Sempre estiveram dentro de… Dentro da estrutura que os transforma em “seres para outro”. Sua solução, pois, não está em “integrar-se”, em “incorporar-se” a esta estrutura que os oprime, mas em transformá-la para que possam fazer-se “seres para si”.
Nesse contexto foi nascendo no Brasil os primeiros movimentos de resistência popular que confrontavam o Império dominante, e as estratégias partiam de diversas localidades das províncias onde a Corte opressora controlava todas as ações, e a única forma de garantir o mínimo de direitos era se rebelando, principalmente depois da assinatura da Lei Áurea (1888).
Tem-se como principal referência o século XIX, onde se destacaram no Brasil vários movimentos de iniciativa popular, protagonizados principalmente por pequenos roceiros, escravos, índios, homens livres excluídos, pobres que não estavam ligados aos senhores de terra, pessoas da cor branca que não tinham direito de usufruir de sua condição de privilegiados, e os trabalhadores que recebiam pequenos salários. Tais populares mostravam seus descontentamentos por toda parte do Brasil.
(…) A experiência do domínio colonial demonstra que, na tentativa de perpetuar a exploração, o colonizador não só cria um perfeito sistema de repressão da vida cultural do povo colonizado, como ainda provoca e desenvolve a alienação cultural da parte da população, quer por meio pretensa assimilação dos indígenas, quer pela criação de um abismo social entre as elites autóctones e as massas populares. (GADOTTI, 1999, p. 208)
No ano de 1835 a revolta da cabanagem que ocorreu no Grão-Pará, norte do Brasil, depois da união desses populares com a elite local sem poder político, chegaram a ter acesso ao comando da província, fato esse que fez com que por um curto período esses populares totalmente desfavorecidos de direitos assumissem historicamente o poder e uma posição de destaque no Brasil. Com essa conquista dos populares excluídos pela elite dominante, a Corte Regente reage violentamente na retomada do poder local, indicando novos governantes e reprimindo o movimento durante os últimos quatro anos, perseguindo e assassinando quase todos os líderes e milhares de paraenses nativos. Assim foi colocado um ponto final na revolta dos cabanos, no ano de 1840.
Ao mesmo tempo, no Sul do Brasil, acontecia também no atual Rio Grande do Sul a Revolta Farroupilha, revolta que também se desencadeou com a resistência às imposições do governo regencial. Altas taxas dos impostos, as influências dos movimentos de independência da região platina, a importância da economia da província, levou a Sociedade Rio Grandense a unir líderes dos meios de produções locais, populares, revolucionários imigrantes europeus, onde se pode destacar Giuseppe Garibaldi, em busca dos ideais republicanos e federalistas.
No relato de Alencar (1987, p.100) “os farrapos eram todos aqueles que tinham rendimentos baixos: os homens livres e pobres que não estavam ligados aos senhores de terra, os negros libertos, os trabalhadores que recebiam pequenos salários e os escravos (…)”. Enfim a maioria da população da província, que travou inúmeras batalhas em todo Rio Grande do Sul, confrontos que resultaram em um grande número de mortos de ambos os lados.
A guerra durou dez anos, de 1835 a 1845. Após o enfraquecimento e sem alcançar a independência do Rio Grande, os farrapos não tendo alternativa, assinaram um tratado de paz, que garantia muitas conquistas junto ao império, inclusive com anistia geral, principalmente dos populares que participaram intensamente da guerra mesmo como coadjuvantes, foram sujeitos na consolidação do Rio Grande do Sul como força política e econômica integrada ao Brasil.
As revoltas exemplificadas acima, acontecidas nos extremos do Brasil, norte e sul, retratam todo o século XIX e meados do século XX, marcado pelos acontecimentos de vários movimentos de resistências populares, reconhecidos como as camadas livres, mas não proprietárias. No entanto, também existia sofrimento dos populares oprimidos, nos quatros cantos da província brasileira, que tinham as rebeliões como única alternativa que lhes restavam para alterar o quadro social e político do Brasil, que se encontrava totalmente desorganizado com a incompetência do Governo Regencial, seguida pela fragilidade da monarquia de Dom Pedro II e o oportunismo dos aristocratas no início da Primeira República (1889-1930). Períodos estes, extremamente dominados pela elite dos ricos proprietários do Brasil.
A miséria se agravara na fase regencial com a crise econômico-financeira. A população miserável, vivendo em várias partes do Brasil, nada podia esperar de um governo dominado pelos ricos aristocratas rurais. Eram grandes os desníveis sociais. Essa sociedade bipolarizada entre ricos e pobres, entre pessoas livres e escravas, entre brancos e negros, ampliava as possibilidades de revoltas. (SCHNEEBERGER, 2003, p. 195).
Os Movimentos de Resistências Populares, por meio de revoltas, motins, levantes e outros, tiveram quase sempre como protagonistas pessoas desfavorecidas de cidadania que buscava a liberdade acima de tudo, resistiam às imposições e injustiças cometidas pelo estado e seus protegidos. Junto e protagonizando um papel muito importante durante mais de dois séculos, também estiveram os negros escravos, livres ou oriundos de quilombos, os africanos e os crioulos (nascidos no Brasil) estiveram presentes por vários estados brasileiros, em movimentos como Cabanada, Balaiada, Confederação do Equador, Farroupilha, Revolta na Praia, Quebra-quilo, Cortiço, Vintém, etc.
No final do século XIX até meados do século XX, os engenhos são substituídos pelas usinas, chegaram os imigrantes, obrigatoriedade da substituição da mão-de- obra escrava, os republicanos assumem o comando do país, porém as relações pré-capitalistas de produção se conservam: no interior do país, os trabalhadores rurais se tornam meros semi-servos, diante da fragilidade das instituições responsáveis pela ordem, lei e justiça, à ocorrência de grandes injustiças – homicídio de familiares, violências sexuais, roubo de gado, de terras, agravamento da fome, o analfabetismo e a pobreza extrema.
É de se observar que essas mobilizações populares e sociais se deram com maior intensidade no Sul e Nordeste do país, regiões com a maior concentração de populares. Mas não se pode esquecer que no seio do Brasil – Região Centro Oeste, também se travaram lutas contra o regime aristocrático. Como as reivindicações eram diversificadas em Meiaponte, atual Pirenópolis, o povo lutava pela preservação do Rio das Almas, uma luta desigual contra grandes corporações nacionais e internacionais, entre essas, a Mineradora Goyana, que depois do fim do ciclo do ouro em Minas Gerais se transferiu para o estado de Goiás. Kelerson Semerene Costa (2013, p.135) destaca que:
(…) em Meiaponte o índice de analfabetismo no século XIX era muito elevado em todo o país, alcançando 81,44% da população livre. Mas, em Meiaponte, ele era ainda maior, chegando a 89,29%, enquanto os índices da província (84,87%) e de sua capital (80,39%) estavam mais próximos dos números do país. Naquele ano, não havia qualquer sinal de que a situação seria alterada em curto prazo, pois apenas 8,11% dos meninos e meninas entre6 e 15 anos de idade frequentavam a escola.
Nesse cenário desfavorável as revoltas populares aumentavam a cada dia, impulsionadas também pelo misticismo, manifestado por meio do fanatismo religioso e pela crise econômica no meio urbano (desemprego, inflação e alto custo de vida), a reforma urbana, surgimento de pequenos quilombos urbanos de escravos expulsos dos centros das cidades.
Podem-se destacar grandes movimentos de resistências como: Guerra do Contestado, Guerra de Canudos, Revolta da Vacina, Revolta da Chibata, Cangaço e outros. O cangaço é considerado como um dos movimentos que se manteve resistente por um longo tempo, tendo como cenário o nordeste brasileiro, foi resistente tanto quanto o movimento dos negros. Além das manifestações por justiça e liberdade, o movimento levou aquelas populações tradições, costumes e culturas até hoje vivenciadas.
Nas décadas finais do século XX, pode-se verificar que o legado dos movimentos de resistências no passado, contribuiu para a democracia do Brasil, levando os governantes na construção dos principais marcos da democracia da velha república, ter atenção aos reclames desses brasileiros que tanto contribuíram e derramaram seu sangue para existência da nação brasileira. Não podendo controlar e até mesmo permitido a organização, o fortalecimento de organismos de participação e controle popular, como direito ao voto, os primeiros sindicatos, as ligas camponesas, os movimentos culturais, de educação, as comunidades eclesiais de base e outros.
Porém, a concretização dos direitos de todos os brasileiros se consolida a partir do início da Nova República, em 1985, data do fim da ditadura militar e início da construção da nova constituição, promulgada em 1988, onde de fato legitimou e fortaleceu o Movimento Social e Popular, como meio de participação para o controle social e de luta para garantia de direitos para toda a sociedade brasileira.